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“Terapia sem Divã?” Ou “Vamos ficar de pé?”: Uma Apresentação do Setting Bioenergético

Ugo Luna - Análise Bioenergética | Psicoterapeuta Corporal

“Conte-me sobre seus problemas” diz uma voz soturna, baforejando uma fumaça de charuto, num ambiente estilo film-noir, acocorado numa poltrona pesada, antiga e com certo bolor, mantendo uma segura distância.  Você, deitado, olhando para uma parede ou teto à sua frente, sente aquela presença atrás de você e começa a falar desviantemente sobre os diversos ocorridos da semana misturando sem querer pequenos lapsos de angústia existencial, enquanto aquele ser imponente, porém com ares neutros responde com poucas mas firmes palavras, num exercício contínuo e divagante…

Crio este breve cenário como uma brincadeira para expor o que ainda parece povoar o imaginário coletivo da figura do psicólogo para muita gente.  Filmes, séries, e os estereótipos emprestados da psicanálise de Freud ajudam a enfeitar esta imagem.  Porém, correndo o risco de estar dizendo o óbvio para muitos que possam ler este texto,  este formato clássico não é mais o padrão para muitos psicólogos, e com certeza já não é há muito tempo para os terapeutas de Análise Bioenergética.     

Quando pensamos no formato que um trabalho terapêutico toma, estamos falando de setting, termo de língua inglesa que quer dizer algo como “cenário” ou “contexto”.  Em terapia, o setting é o espaço físico e simbólico que o processo acontece.  Este setting caricato que apresentei no primeiro parágrafo seria uma versão um tanto exagerada do espaço e forma de trabalho de uma psicanálise clássica, que muitos psicanalistas contemporâneos já não mais adotam.  Mas como estamos falando de Análise Bioenergética, vale explicar um pouco sobre como o “cenário” desse trabalho, que envolve além da fala, o contato com o corpo, funciona. 

Para começar, o que de início pode chamar atenção como um primeiro contraste entre essa visão clássica de terapia para o trabalho que apresento, é o fato de não termos um divã, e o cliente senta de frente para o terapeuta, normalmente numa poltrona confortável.  Como já comentei isso não é novidade para muitos psicoterapeutas, que já desde cedo houveram uma mudança dessa forma clássica de usar o divã em diversas linhas de terapia.  O que vai dando uma cara mais própria aos psicoterapeutas corporais de forma geral é a presença de um colchão no consultório.  Até onde sei, as mais diversas linhas de psicoterapia corporal (a Análise Bioenergética sendo uma delas) fazem uso do colchão, como uma forma de expandir o trabalho com o cliente deitado.  Há diversas formas de se trabalhar usando o colchão desta forma, que podem ter suas ênfases e variações dependendo da abordagem e estilo do terapeuta. 

Historicamente falando, o que foi um marco da forma própria de trabalho bioenergético foi a possibilidade de trabalhar em pé na terapia.  O título faz alusão a isso, pois em meus atendimentos é comum em algum momento da sessão eu soltar a frase “vamos ficar de pé?”, se tornando quase um chavão.  Mas de forma alguma isso é uma regra que se aplica a todos que procuram esta abordagem.  Como tudo em terapia, varia de cliente para cliente, e o estilo pessoal do terapeuta também pesa muito.  Ainda assim, o trabalho em pé permite trabalhar temas fundamentais da visão de saúde da Análise Bioenergética: ampliando nosso contato com o chão e a parte inferior do corpo, a capacidade de se sustentar emocionalmente, trabalhar a própria sensação de autonomia e responsabilidade pelo que diz e sente…  Em suma, tanto o colchão como o trabalho em pé tem seu lugar nesta terapia, tanto quando sentando na poltrona.  Não esqueçamos: falar também é psicoterapia corporal!

Seguindo, ainda pensando no setting, a postura do terapeuta também é diferente levando em conta este cenário.  Para poder conduzir um cliente a esses movimentos e sensações que estes trabalhos vivenciais mobilizam, o terapeuta tende a adotar uma postura mais ativa e presente.  A ferramenta principal de um psicoterapeuta corporal é a sua própria inteligência emocional que se manifesta no próprio corpo.  É o que chamamos de ressonância, e para ressonarmos com o outro, precisamos estar abertos e presentes.  Apesar de uma profunda bagagem teórica ser fundamental para este trabalho, o esforço intelectual e analítico, apesar de ser válido e importante, fica em segundo plano.  Ou ainda, esse exercício intelectual não pode se tornar uma barreira para estarmos sentindo e acompanhando emocionalmente os percursos que acontecem no cliente.  Assim, esta postura clássica, só de escuta distante sem poder olhar e enxergar o outro não funciona bem com esta abordagem de psicoterapia corporal.  Por isso nos colocamos de frente, próximos e acessíveis, com o devido respeito as fronteiras e limites tanto do terapeuta como cliente. 

Há muito espaço para nuances e diferenças estilísticas do terapeuta no setting da Análise Bioenergética.  Como é um trabalho que envolve o corpo, pode-se haver algumas ferramentas que facilitem isso.  No meu consultório, gosto de ter bolinhas massageadoras para estimular e liberar tensão da sola dos pés em momentos que estiver trabalhando em pé.  Há alguns itens de pilates para alguns trabalhos específicos de abertura e respiração.  Gosto também de fazer trabalhos usando o corpo deitado diretamente no chão, aproveitando este apoio duro para atingir certos pontos de tensão utilizando um bambu terapêutico.  Há muito espaço para a criatividade e influências individuais. 

Espero ter feito uma boa e simples apresentação de como um psicoterapeuta de Análise Bioenergética trabalha em seu setting, e como esta forma de terapia, apesar de ter raízes em formas mais tradicionais de trabalho como aquelas que povoam o imaginário social, criou um ambiente próprio de trabalho.  Querendo conhecer meu espaço, seja bem vindo!

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